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Suécia: o retorno do papel nas escolas

Disrupção: Tudo com Raphael Rocha Lopes


♫ “Apesar de você/ Amanhã há de ser/ Outro dia/ Eu pergunto a você/ Onde vai se esconder/ Da enorme euforia/ Como vai proibir/ Quando o galo insistir/ Em cantar”♫ (Apesar de você; Chico Buarque)


Bombou, não sei exatamente por que, nos últimos dias nas redes sociais a notícia de que a Suécia teria abolido a educação digital (o termo por si, já está errado), voltando aos livros e cadernos de papel. Isso de fato aconteceu, não a retirada da educação digital, mas da tecnologia eletrônica como principal instrumento na educação. Só que há dois anos, aproximadamente.


A Suécia é considerada há anos um dos países mais avançados em tecnologia na educação. E deu um passo atrás significativo em sua estratégia digital. Após 15 anos de implantação massiva de tablets e recursos tecnológicos na sala de aula, o país passou a priorizar, novamente, os livros impressos, a escrita manual e o ensino analógico nas séries iniciais.


Em setembro de 2023, o governo anunciou que crianças até seis anos seriam educadas com foco em leitura de livros físicos e aulas tradicionais, enquanto o uso de dispositivos digitais na escola seria reduzido para fases mais avançadas do ensino. A decisão foi baseada em preocupações com o desempenho dos alunos, que caiu em testes internacionais de leitura, passando de 555 (em 2016) para 544 pontos (em 2021).


Quebrando paradigmas


Especialistas vêm apontando evidências científicas de que o uso excessivo de telas prejudica a compreensão leitora das crianças, e defendem que os fundamentos da alfabetização são mais bem desenvolvidos por meio de material impresso e orientação de professores.


A Suécia vem investindo milhões anulamente em recursos para garantir um livro impresso por aluno em cada disciplina e reforçar a prática da escrita manual nas escolas. No site do governo lê-se: “As melhores condições para o desenvolvimento de habilidades básicas de leitura e escrita estão em ambientes analógicos e no uso de ferramentas analógicas. Por isso, é importante que os alunos trabalhem com caneta e papel e, principalmente, tenham acesso a livros didáticos e bibliotecas escolares com funcionários”.


A meu ver, um entusiasta da tecnologia e um preocupado com a educação digital, não se trata de abandono da tecnologia, mas de reposicionamento com equilíbrio: ao que tudo indica, as ferramentas digitais permaneceram lá, mas com suporte adequado e, principalmente, com a valorização dos atos de ler, escrever e refletir. Isso amplia horizontes e prepara o aluno para ser um cidadão que saberá conviver e entender a tecnologia digital.


Pelo mundo


Esse debate não é exclusivo da Suécia. Outros países, como Holanda e Áustria, já fizeram movimentos parecidos. A UNESCO, por sua vez, alerta para que a implementação da tecnologia nas escolas seja baseada em evidências pedagógicas, e não em modismos ou pressões mercadológicas.


Em certas cidades brasileiras viu-se administrações municipais cedendo tablets para alunos que sequer tinham internet em casa, ou que utilizavam o dispositivo mais para brincar do que para aprender brincando. Muitas vezes sem sequer preparar os professores. Um desperdício de dinheiro público e de tempo e ainda criando semianalfabetos digitais.


Antes da Suécia, várias escolas mundo afora já tinham parado ou diminuído o uso de dispositivos eletrônicos com seus alunos pequenos. Perceberam que as crianças começaram a ter mais dificuldade de amarrar os cadarços e até de manusear talheres. A motricidade fina das crianças estava despencando.


Por isso, pode-se dizer que o exemplo sueco traz importantes lições: i. a tecnologia não é sinônimo de aprendizado e para disciplinas como leitura e escrita, o analógico ainda se mostra essencial; ii. não é questão de proibir; mas de usar de forma crítica, seletiva e consciente; e iii. professores devem ser protagonistas nos processos de aprendizagem, beneficiados por materiais ricos como livros e bibliotecas equipadas.


Ler requer calma, escrever demanda atenção e pensar exige reflexão. Tudo o que está faltando hoje nas redes sociais e nas discussões em geral.



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