Disrupção: Tudo com Raphael Rocha Lopes
“I can see clearly now, the rain is gone/ I can see all obstacles in my way/ Gone are the dark clouds that had me blind/ It’s gonna be a Bright/ Sunshinning day” (I can see clearly now; Johnny Nash)
No mundo atual, a tecnologia está presente em praticamente todos os momentos do dia a dia. Para as crianças, tablets, smartphones e televisores são companheiros constantes, oferecendo um vasto mundo de informações e entretenimento. Contudo, com o volume de dados e estímulos oferecidos pela internet, as crianças acabam perdendo uma experiência fundamental: o ócio. Em um cenário de agendas preenchidas e atividades em excesso, onde fica o tempo para a pausa, para o vazio, que permite à criança criar, imaginar e desenvolver-se de forma natural?
Ao contrário do que muitos acreditam, o ócio não é tempo perdido, mas um espaço vital para o desenvolvimento criativo. Principalmente para as crianças! Durante os momentos de repouso e introspecção, o cérebro da criança trabalha de forma distinta, criando conexões únicas e inusitadas. Estudos em psicologia e neurociência indicam que o descanso promove a associação de ideias, permitindo que a criança se reconecte consigo mesma e com o ambiente, explorando aspectos de sua própria criatividade e curiosidade.
Esse processo é essencial para desenvolver habilidades como criatividade, empatia e pensamento crítico. A criança que experimenta o ócio aprende a inventar, a explorar suas próprias ideias e a criar seu próprio entretenimento. Sem estar sempre diante de uma tela ou atividade guiada, ela enfrenta o desafio de inventar e descobrir, o que contribui para sua autonomia, autoconfiança e capacidade de solucionar problemas.
Entretanto, o tempo dedicado ao ócio tornou-se escasso na rotina da maioria das crianças. Desde cedo, elas têm suas agendas repletas de compromissos: aulas, cursos, esportes e, ao fim, o uso de dispositivos digitais, repletos de vídeos, jogos e redes sociais. A quantidade de estímulos proporcionada pela internet e tecnologias digitais é impressionante, mas o excesso pode ser prejudicial, sobrecarregando a mente e limitando o desenvolvimento da criatividade. Sem o tédio, a criança perde a chance de buscar suas próprias respostas e de descobrir o que realmente a interessa.
Nesse contexto, o papel dos pais e educadores torna-se essencial. Limitar o uso de telas e promover esses momentos de tédio pode parecer contracultural, mas é fundamental para o desenvolvimento saudável. Já apontei aqui diversas pesquisas que indicam que a exposição excessiva a dispositivos digitais pode prejudicar a atenção, memória e até a capacidade de comunicação das crianças. Ao restringir o uso de telas, ajudamos as crianças a explorar o mundo real, a lidar com seus próprios pensamentos e a desenvolver uma mente mais aberta e inventiva.
O ócio permite que as crianças tenham tempo para observar o que está ao seu redor, desenvolver teorias sobre o mundo e enfrentar o aborrecimento, o qual se torna um forte incentivo para a criatividade. Sentir-se entediado é, muitas vezes, o primeiro passo para a descoberta de um novo hobby ou para a criação de uma história. Esse tipo de ócio criativo permite à criança aprender a valorizar a introspecção, a paciência e atividades menos estimulantes, mas altamente enriquecedoras.
Adotar o ócio como parte do cotidiano infantil não significa rejeitar a tecnologia. Trata-se, na verdade, de equilibrar o uso de dispositivos com momentos de desconexão. Quando as crianças têm a oportunidade de se afastar das telas, ainda que brevemente, ganham tempo para refletir e expressar-se de forma mais autêntica e criativa.
O ócio é, portanto, uma necessidade na infância, um espaço de liberdade que permite à criança descobrir quem é e o que realmente gosta de fazer. A transformação digital é uma aliada no desenvolvimento, mas o crescimento pleno exige espaço para a pausa e o não-fazer. Pois é no não-fazer que a magia da criatividade verdadeiramente reside.
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