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Janja e seu “protagonismo” exagerado

Janja e seu “protagonismo” exagerado resultam em normativa da AGU e Projeto de Lei

Opinião, informação e política com Milena Tomelin



Tradicionalmente, a figura da primeira-dama é tida como um papel de apoio e representação simbólica: acompanha o chefe de Estado em eventos oficiais, recebe convidados no Palácio da Alvorada e, quando muito, lidera ações sociais ou filantrópicas. Darci Vargas, esposa de Getúlio Vargas, foi uma das primeiras a romper a discrição típica do cargo, ao fundar instituições assistenciais e atuar com mais visibilidade — uma exceção que inspirou algumas sucessoras, mas sempre com certo equilíbrio.

Ao longo da história republicana, esse protagonismo feminino na política presidencial seguiu uma linha discreta, quase silenciosa. Até agora.


A primeira polêmica veio logo no início do governo: Janja acusou publicamente que vários móveis haviam sumido do Palácio da Alvorada, insinuando responsabilidade da gestão anterior. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro reagiu, o governo acabou admitindo que os objetos estavam apenas armazenados, e a Justiça condenou Lula e Janja a pagar R$ 15 mil por danos morais à família Bolsonaro. A indenização selou a primeira derrota oficial do casal no campo da comunicação institucional.

Em maio de 2025, durante um jantar oficial na China, Janja causou um "climão diplomático" ao afirmar, diante do presidente Xi Jinping, que o TikTok estaria “a serviço da extrema direita”. A crítica, feita em um contexto de protocolo rígido e diplomacia sutil, gerou constrangimento entre ministros e foi vista como uma gafe de grandes proporções — algo que um ministro de Estado provavelmente não se permitiria, quanto mais uma primeira-dama.


Janja também instalou um gabinete próprio ao lado do Palácio do Planalto, com equipe formada por oito servidores entre assessores, seguranças e jornalistas. Segundo levantamento do Poder360, essa estrutura tem custo estimado em R$ 2 milhões por ano aos cofres públicos. Mais que uma “sala de apoio”, trata-se de uma verdadeira microestrutura paralela — com influência crescente nas decisões do Executivo.

Em 2023, Janja foi a única primeira-dama presente nas reuniões restritas de chefes de Estado do G20. Sua participação gerou incômodo por ferir normas básicas de protocolo internacional. Mas o episódio mais emblemático ocorreu no mesmo evento, quando, ao criticar plataformas digitais, Janja teria se dirigido ao bilionário Elon Musk com um nada diplomático “fuck you” — expressão que dispensaria tradução até na ONU.


Com os episódios se acumulando, a Advocacia-Geral da União precisou agir: no dia 4 de abril de 2025, publicou a Orientação Normativa nº 94, que delimita oficialmente o papel do cônjuge presidencial. Em termos práticos, o recado foi claro: é preciso pôr limites à atuação da primeira-dama.

Na esteira da repercussão negativa, o deputado Daniel Freitas (PL/SC) protocolou o Projeto de Lei nº 104/2025, que propõe restringir formalmente a atuação do cônjuge presidencial. O texto proíbe representações oficiais, limita o orçamento destinado ao gabinete da primeira-dama (ou primeiro-cavalheiro) a 0,01% do total do Palácio do Planalto e estabelece novos mecanismos de controle.


Como mulher, é importante reforçar: o problema não está no fato de Janja ser uma figura atuante, com voz própria e opiniões firmes. Isso, aliás, é bem-vindo — especialmente num cenário político que ainda trata a participação feminina com certo estranhamento.

A questão está no abuso do protagonismo. Janja parece ignorar os limites do papel institucional que ocupa. Ao tentar ser protagonista de decisões, discursos e espaços que cabem ao presidente, acaba criando ruído político, desgaste diplomático e instabilidade institucional. Sua atuação, mais performática do que estratégica, frequentemente revela despreparo, improviso e — sobretudo — uma incompreensão dos freios que o cargo exige.

Queira ou não, personalidades públicas, especialmente o Presidente da República e a Primeira-Dama, precisam dar bons exemplos que possam servir como espelho a sociedade.

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